Saturday 27 August 2011

A Special One


Friday 26 August 2011

Têm a certeza que não querem mais dinheiro?



Desde pelo menos a primeira guerra mundial, onde os proletários dos vários países tomaram armas para se combaterem entre si e não as classes com que se confrontavam no processo produtivo, que a esquerda enfrenta e procura explicar o porquê de nem sempre aqueles por quem se diz bater estarem do seu lado.

Parece-me, no entanto, uma deliciosa novidade esta de os ricos dos outros países ultrapassarem a retórica neoliberal portuguesa pela esquerda, e forçarem, a muito contragosto, o nosso governo a aceitar discutir a imposição de um imposto à riqueza. É preciso lembrar que esta coligação ganhou as eleições sob um entendimento muito particular de que, se aos empresários fosse entregue mais dinheiro, estes iriam poder gerar mais emprego e fazer a economia crescer. Este entendimento é aquele que está na base da proposta de descida significativa na TSU, mas também na redistribuição agressiva de rendimento dos mais pobres para os mais ricos que este governo tem levado a cabo desde que tomou posse - mesmo que, ressalva seja feita, esta última não tenha sido acompanhada por um discurso que explicite a crença de que dar dinheiro aos mais ricos é bom para a economia, ficando assim a ideia de que talvez até já se aceite tratar-se apenas de uma preferência ideológica. Ora agora são os próprios ricos a dizer que a solução para a crise não passa por terem mais, mas sim menos dinheiro. É delicioso, a sério. Imagino muito economista académico com dificuldades em desenhar os exames para a época especial de Setembro, mas a parte mais deliciosa é mesmo a de imaginar os assessores do Álvaro à nora.

Claro que se pode alegar que o governo estava a pensar nos empresários das PMEs, e não nos accionistas das grandes empresas - talvez os primeiros não sejam sequer ricos, e não venham sequer a pagar o possível imposto. Mas então seria de esperar que se tivesse falado em excluir as grandes empresas do jacktop da redução na TSU, coisa que nunca ouvi.

Tuesday 9 August 2011

Londres


Há várias explicações concorrentes para o que está a acontecer em Londres. Seria no entanto honesto esperar, destas explicações, que incluam alguma referência a subúrbios em Londres, atendendo a que, digamos, é lá que estão a acontecer os eventos de que se fala. Proponho aliás um exercício interessante: contar o número de vezes que, nas crónicas e nos posts de blogues de direita em Portugal, aparece referência ao nome de um subúrbio concreto em Londres, e o número de vezes em que surgem as palavras vandalismo e roubo. É goleada, na certa.

No entanto, esses opinadores não podem propriamente defender que a geografia não tem importância para a avaliação moral do problema, simplesmente por estarmos perante uma apropriação indevida de bens privados e/ou de violência "irracional": certamente, levarei esses opinadores a concordar que a avaliação moral da apropriação de bens privados e violência "irracional" deverá ser devidamente contextualizada numa narrativa que se situe numa dada geografia e num dado período histórico. O que dizer, por exemplo, da apropriação e violência do expansionismo ultramarino português no sec. XV, ou da apropriação de terras nas enclosures do sec. XVIII, e subsequente desenraizamento dos camponeses que as trabalhavam e que passaram a engrossar as fileiras de mão-de-obra barata nas fábricas, ou da ocupação particularmente violenta por parte de um povo sem terra – Israel - de uma terra que já tinha já um povo? Certamente, será necessário contextualizar e incluir uma referência específica a um local e a um período. Pois bem. O local são alguns subúrbios londrinos.

Seria assim importante que alguns comentadores soubessem não só a localização dos eventos sobre os quais opinam, como que pelo menos se familiarizassem com as dinâmicas que se foram gerando na sociedade britânica e que determinaram quem exactamente vive nos subúrbios em causa. Sim, as pessoas a quem eles se sentem já à vontade para qualificar de "escumalha", "ladrões", "vândalos", mas que nem se preocupam muito em saber quem são.

Ora eu, que não sei explicar o que está a acontecer, pelo menos sei o que está a acontecer: são fenómenos de violência que acontecem nos subúrbios londrinos (e noutras cidades, mas eu nunca lá vivi, em muitas delas nem sequer estive, e por isso não me apraz falar sobre elas) e que envolvem alguns dos seus habitantes. Não tenho explicação para o que está a acontecer, mas rejeito qualquer explicação que, em alguma parte, não aceite esta realidade e que não permita enquadrar as dinâmicas geográficas e sociais que geraram a população que habita nesses subúrbios londrinos. Nomeadamente, rejeito qualquer teoria que não inclua estes factos:

Nos últimos vinte anos, o Reino Unido tem assistido a uma desindustrialização dramática, conforme pode ser visto no gráfico abaixo, que contrasta a evolução do peso da indústria no PIB britânico e a de outros países comparáveis.


Esta desindustrialização foi acompanhada por um conjunto de políticas que a favoreceram sistematicamente - os serviços não emergiram espontaneamente na economia britânica, como uma vantagem comparativa à Ricardo. Em particular, destacaria dessas políticas a política monetária. O gráfico abaixo mostra a evolução das taxas de juro de refinanciamento do Banco de Inglaterra, comparando com as do Banco Central Europeu, e mostra como sistematicamente se praticavam juros significativamente mais elevados - até à crise financeira.



Em paralelo com juros mais elevados, e tal como seria de esperar, a libra durante os anos prévios à crise esteve significativamente sobre-avaliada. O gráfico abaixo contrasta, para um horizonte temporal mais curto (o google finance não mostra para trás de 2004), o valor da libra nos tais anos de juros elevados com aquilo que a libra vale desde 2008, ano em que se descobriu que afinal o sector financeiro era mais gato que lebre.



Uma libra demasiado forte retirou sistematicamente competitividade às exportações britânicas, enquanto pressionava em baixa a inflação de bens importados, o que permitiu que, por exemplo, alguma população mais privilegiada comprasse televisões baratas - sim, aqueles objectos que agora estão a ser roubadas e destruídos nos subúrbios - e fizesse férias no estrangeiro. Quem foram estes privilegiados? Não foram os 10% mais pobres, certamente, conforme pode ser visto no gráfico abaixo, que mostra a evolução da riqueza por classe de rendimento (quartil), entre 1998 e 2008 - os da esquerda são os mais pobres, os da direita os mais ricos. Nesta década, a economia britânica gerou um aumento global de riqueza de cerca de 33% - mas os 10% mais pobres tiveram uma redução de cerca de 12% no nível de vida. Na verdade, nenhum classe de rendimento teve um aumento de riqueza ao nível do aumento de riqueza gerado na economia, excepto os 10% mais ricos, que viram o seu rendimento crescer cerca de 38%.


A desindustrialização britânica e o aumento da desigualdade de rendimento tiveram como paralelo um crescimento avassalador do sector financeiro na economia britânica (em termos reais e metafóricos, dado que dificilmente a forte cultura sindicalista britânica, já muito amansada com Thatcher, teria facilitado esta assimetria).

A economia, cada vez mais centrada na City (o bairro financeiro de Londres), corria bem até 2007, e os bónus no sector financeiro multiplicavam-se - em 2005, por exemplo, cerca de 3000 bancários da City receberam bónus de pelo menos 1 milhão de libras. Nada disto é errado, dizem, porque, afinal, a economia deve permitir premiar os melhores. E os melhores, que recebiam muito dinheiro, compraram casas - as casas melhores. As casas WC, salvo seja, de Chelsea, Knigthsbridge, Kensington, multiplicaram alguns dígitos em valor em poucos anos. O gráfico abaixo mostra a evolução do preço médio das casas em Londres nos últimos anos. O valor médio passou de cerca de 150 mil libras em 2000 para 300 mil em 2008 - dá para ter uma ideia sobre o que aconteceu às casas dos bairros mais caros. Relembro, entretanto, o gráfico que mostrava a evolução do rendimento por classe: temos portanto uma duplicação no valor das casas, e uma redução em 12% no rendimento dos 10% mais pobres. É fácil perceber para onde foram arrastados estes infelizes que, por não serem suficientemente bons.




Como bons eram, de facto, os rapazes que trabalhavam na City. Em 2008, com a crise financeira, alguns destes bons (e os melhores) perderam o emprego, porque os bancos para os quais trabalhavam os melhores não aguentaram um ou dois meses de crise financeira. Outros deixaram de receber bónus de 1 milhão de libras, e passaram a receber um pouco menos. A maioria, segundo consta, continua a safar-se bem.

Poder-se-ia também falar da política de imigração perseguida pelo governo Labour e, agora, continuada pelo governo conservador, e o modo como esta política condiciona os ordenados mais baixos. Também se podia falar da desregulação que permitiu que o sector financeiro crescesse deste modo e pagasse os bónus que pagava - mas já se falou o suficiente disso.

E repito, finalmente, mas apenas para que surja neste post uma referência específica a um subúrbio londrino: a geografia importa, e um roubo na City faz muito menos barulho do que um roubo no Morissons de Peckham.

Wednesday 3 August 2011

Usura



Lhereux era mercador astuto de roupas e perfumes em Yonville, uma pequena terra da província. E era versado em letras e outros instrumentos de crédito. Lhereux foi vestindo e perfumando Emma como a uma burguesa, e Emma, tão próxima de o ser, ficava cada vez mais em dívida para com Lhereux. Quando o dinheiro começou a falhar, Emma tentou fazer do marido cirurgião, mas o marido só sabia fazer sangrias, e acabou por gangrenar a perna do seu primeiro e último paciente. Exasperada e cada vez mais incapaz de amar o seu esforçado marido, Emma obtém deste procuração dando-lhe todos os poderes sobre os seus bens, seguindo conselho dado por Lhereux. Investida do novo poder, Emma vendeu uma pequena propriedade, e com o dinheiro comprou mais vestidos, às escondidas do marido, que continuava a fazer com as sangrias o dinheiro dos dois. Era com esses vestidos que Emma traia o pobre homem. Quando o dinheiro tornou a faltar, Lhereux, garantindo que não a podia financiar directamente, afirmou conhecer um banqueiro na capital que seria capaz de lhe descontar a sua letra, mediante um preço. Quando chegou nova letra, o banqueiro foi pessoalmente a Yonville para lhe penhorar os bens.

Lhereux e o banqueiro ficaram-lhe com tudo a preço de saldo, e parece que os amigos destes passarão férias na casa que um dia foi de Emma e de Carlos.

Tuesday 2 August 2011

Imposto

Vou abordar um assunto cujos contornos em larga escala desconheço, e esta é uma prerrogativa que me assiste enquanto blogger. Julgo que havia duas formas de o estado alienar o BPN: por concurso público ou por leilão. Na primeira hipótese os potenciais compradores enviam propostas concretas, nas quais se comprometem com objectivos específicos, preferencialmente quantificados e balizados temporalmente, e oferecem um preço final, ficando do lado do estado a tarefa de hierarquização das propostas sob um conjunto de critérios pré-definidos. A segunda hipótese consiste num caso particular do concurso público, onde o único critério de avaliação é o preço final. O estado português optou pela primeira hipótese, não me parecendo que tenha sido discutida a segunda. Naturalmente, a primeira hipótese gera sempre menos dinheiro do que a segunda, e gerará tanto menos dinheiro quanto mais onerosas forem as obrigações a que se comprometeu o candidato vencedor. Esta diferença - entre o valor de um concurso público e o valor que teria sido gerado por um leilão bem desenhado - é na prática um imposto sobre os contribuintes. O benefício deste imposto para a sociedade é dado pelo valor que as obrigações e os compromissos assumidos têm para a mesma. No entanto, estas obrigações e compromissos só terão valor para a sociedade se as obrigações e compromissos subjacentes às regras do Banco de Portugal, que se aplicam aos bancos, não forem já suficientes para acautelar o bem-estar geral. Ou, no caso de as obrigações e compromissos dizerem respeito a objectivos de política bancária, só terão valor se não puderem ser assumidos eficientemente pela CGD. Logo, somos confrontados com duas hipóteses: ou o benefício para a sociedade é nulo, e portanto este procedimento entregou dinheiro dos contribuintes a troco de benefícios privados, ou este custo para a sociedade é um preço a pagar pela existência de uma regulação (e política bancária) deficiente e insuficiente.