Friday 29 March 2013

Luz

A entrevista a Sócrates tem o condão de encerrar em si mesma todas as contradições da esquerda liberal. A genialidade - se posso dizer assim - de Sócrates não está em resolver essas contradições, mas em expô-las com clarividência num panorama político onde, de outra forma, só restam sombras. Sombras muito ténues que sobrevivem inesperadamente às luzes do mundo, que se voltaram há imenso tempo para outro lado qualquer. De Cavacos, Seguros, Relvas, Portas, gente que vagueia numa História que os derrotou mas que que continuam inexplicavelmente a fazer. 

O problema da esquerda liberal - a esquerda onde votei, sem equívocos e arrependimentos, no tempo de Sócrates - é ter o diagnóstico inteiramente certo e, ainda assim, conseguir falhar nas receitas. A esquerda liberal está inteiramente convencida que a explicação da crise é europeia e sistemética. A esquerda liberal denuncia acertadamente a arquitetura da zona euro, que retirou os poderes de política económica aos governos nacionais, democraticamente eleitos, impedindo-os de intervir face a um processo de acumulação de excedentes comerciais insustentáveis no centro, e défices da periferia, sem que oferecesse uma alternativa de política económica centralizada e responsabilizável democraticamente. Ao mesmo tempo, a mesma esquerda defende que é possível continuar a sujeitar a periferia à lógica dos memorandos, ainda que renegociados. Uma espécie de castigo mais ligeiro para crimes que não foram cometidos. 

Esta contradição, em Sócrates, é visível quando aponta tão certeiramente os holofotes ao júbilo que a vinda do FMI causou em tanta gente deste burgo - "quem tem medo do FMI?", perguntava-se, pois que vinham arrumar a casa e fazer o que os de cá não tinham coragem para fazer -, ao mesmo tempo que consegue  defender que o PSD foi além da troika e que o memorando original não previa tirar dois pagamentos aos pensionistas e aos funcionários públicos. O PSD não foi além da troika. A única forma de cumprir as metas nominais para a despesa pública  que lá estavam seria através da redução das prestações sociais e dos salários da função pública. O único resultado credível para o memorando seria o desmantelamento do estado social, o empobrecimento generalizado do país e a transferência de recursos de um classe social para outra. Não há, a meu ver, defesa possível para o memorando original que não implique uma legitimação do memorando atual, e da política do governo.