Thursday 11 July 2013

Ilusão

Nos últimos dias tive a sorte de encontrar dois grandes posts no facebook e de ter acabado de ler um livro de Coetzee, todos sobre a ilusão.

Rui Zink escreveu, no seu mural, sobre Lady Macbeth:

Lady Macbeth ... sabia que o cheiro do sangue era mais difícil de lavar das mãos do que o cheiro a merda. Mesmo que este fosse real e o outro (o cheiro do sangue) fosse imaginário. Lady Macbeth era sábia: ela sabia, entre outras coisas, que nada é tão real como aquilo que imaginamos.

Perante um sangue imaginário, que só Lady Macbeth cheira, o mundo, insubstancial na sua mudança permanente, acha que ela está louca. O mundo - quem assiste à peça e além - achará, porventura, que incomodar-se com o cheiro a merda degradável seria mais razoável do que incomodar-se com o cheiro da permanência da culpa e da morte.

Hoje Joaquim Cardoso Dias cita Marguerite Duras numa frase a que estarei condenado a regressar, como o casal Macbeth regressará sempre à imagem de uma adaga suspensa sobre eles: 

Há ilusões que se parecem com a luz do dia;
quando acabam, tudo com elas desapareceu.

Ilusões que dão momentaneamente realidade à realidade que perece, todos os dias, como a merda. Ilusões - o amor, a fé, o poema - que não se tornam reais com a realidade, mas que tornam realidade as coisas que achamos, erradamente (diria, ilusoriamente), reais. Toda a beleza se manifesta como luz, e não como objeto iluminado. Quando a ilusão se vai, tudo o que é real desaparece.

Por fim, Coetzee denuncia, no waiting for the barbarians, a história de um império num tempo indefinido que luta contra inimigos imaginários porque dessa luta - da ilusão que vem de uma crença de ameaça permanente - depende a sua própria sobrevivência. O império acaba derrotado pela sua própria lógica, condenando à morte milhares de soldados em buscas inglórias dos bárbaros, que nunca aparecem. Escreve Coetzee:

Empire has created the time of history. Empire has located its existence not in the smooth recurrent spinning time of the cycle of the seasons but in the jagged time of rise and fall, of beginning and end, of catastrophe. Empire dooms itself to live in history and plot against history

Para o bem e para o mal, a ilusão não é cíclica, tem um começo e tem um fim. Ao contrário de tudo o resto, que ora está sob a luz do dia, ora está à sombra.